Mãe perde guarda de filho por morar em área de risco no RJ
Uma decisão da Justiça do RJ tirou de uma mãe a guarda de um filho de 8 anos. O juiz teria utilizado entre os argumentos, o fato de que o endereço onde ela vive com o filho desde que ele nasceu, o bairro de Manguinhos, na Zona Norte do Rio, é área considerada de risco. O magistrado considerou que, “nos dias que correm, é mais seguro residir fora do município do Rio de Janeiro”.
Além de usar o local como justificativa para lhe tirar a guarda, o juiz também alega que o menino necessita de um exemplo paterno, por ser do sexo masculino. Ele teria dito que “a criança já passou tempo demais com a mãe e precisa de uma figura paterna por ser do sexo masculino”, e que “o pai tem mais condições de criar, já que ela é diarista”.
A guarda da criança foi concedida ao pai, um militar que mora em Santa Catarina e não vê o filho há 4 anos. O local de residência do pai também foi argumento do juiz, que definiu Joinville como uma “cidade próspera”, enquanto Manguinhos seria uma “área criminógena”.
Segundo informações do G1, a mãe trabalha há quatro anos como agente comunitária de saúde, com carteira assinada, e tem casa própria. O filho, que estuda em um colégio particular, mora com ela e um irmão mais velho, de 15 anos, de uma relação anterior. Os parentes dela também moram na comunidade.
O processo corre em segredo de justiça, e as informações foram divulgadas pela OAB/RJ. A mulher procurou a Comissão de Direitos Humanos e Assistência Judiciária (CDHAJ) da Ordem, que a recebeu na última sexta-feira, dia 19, e adiantou que irá oficiar ao TJ/RJ pedindo esclarecimentos sobre o caso.
A advogada Aline Caldeira Lopes, especialista em Direito da Família e integrante da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ, opina que houve preconceito na sentença. Rodrigo Mondego, que também integra a CDHAJ, ressaltou que o juiz ignora pontos importantes em sua sentença. “Ele não leva em conta que o laudo psicossocial, feito por uma assistente social e um psicólogo, diz que ela tem condição plena de tomar conta da criança. Também ignora o fato de ela ter sofrido violência doméstica. O ex-marido, inclusive, respondeu por isso e também por tentativa de homicídio qualificado”, relatou.
Para Mondego, o juiz deixa claro que foi determinante o fato de ela ser mulher e morar em comunidade. “A decisão toda está calcada em mero preconceito”.
Violência doméstica
De acordo com a mulher, o casal se conheceu em 2010 na Região dos Lagos. Pouco tempo depois, eles foram morar na casa dela.
A separação veio em 2014, após uma acusação de violência doméstica. O caso foi registrado na 21ª DP (Bonsucesso) como ameaça. No dia 12 de abril daquele ano, ela contou que, por volta das 18h, o ex-marido chegou em sua casa e a ameaçou com uma faca.
“‘Vou te furar com a faca'”, citou.
Segundo advogados do pai da criança, houve uma discussão porque ele queria ver o filho e não teve a permissão da mulher. “O caso não tem a ver com a guarda da criança”, disse o advogado, Carlos Frederico Smoulka Baptista.
O delegado solicitou uma medida protetiva e a encaminhou para a Defensoria Pública, para que pedisse a guarda da criança.
Primeira decisão anulada
Não é a primeira vez que o juiz decide em favor do pai neste caso. Em 2017, ele deu a guarda para o ex-marido e, na sentença, afirmou que ela morava em um “lugar insalubre”. Porém, a decisão foi anulada por cerceamento da defesa e violação do contraditório.
“Nós entendemos que houve um grave problema de preconceito social, da sentença sem a instrução, sem as alegações finais, sem os laudos psicológicos devidos, sem as oitivas das partes. O juiz acabou entendendo que, pelo fato do pai ser um suboficial da Marinha e residir na cidade de Joinville, em Santa Catarina, ele teria melhores condições do que a mãe, uma trabalhadora como qualquer outra do Rio de Janeiro, que recebe cerca de R$ 2 mil, mas mora em uma comunidade”, destacou o advogado Leandro Cardone.
A decisão aponta o Rio de Janeiro e a comunidade como “uma sementeira de crimes, havendo para todos o risco diuturno de morrer”. O juiz ainda diz que a cidade do pai é menos “criminógena” que a da mãe.
O advogado também apontou problemas na atuação da Defensoria, que não teria se manifestado em determinados momentos do processo.
Agora, a nova sentença, que voltou para a primeira instância, dada pelo mesmo juiz, manteve a decisão.
Quatro anos sem contato
A mãe da criança contou à imprensa que o filho não vê o pai há quatro anos, mesmo tendo a criança se oferecido para ir até ele. Ela também teria dito que a educação dos dois filhos segue regras rígidas, com horários definidos, e eles não brincam na rua. “Minha família nasceu em Manguinhos, os meus amigos estão lá. Alguns se tornaram advogados, outra enfermeira”, explica.
A defesa vai entrar com um recurso na próxima semana e pedir a anulação da decisão. O advogado afirma que o juiz já decidiu com um conceito formado.
Apesar de a mãe afirmar que fez registro na 21ª DP (Bonsucesso) por ameaça contra o pai em 2014, na primeira sentença o juiz diz que “não ficou provado, sequer mediante prova emprestada”, que o homem tenha ameaçado a vida da mulher.
Segundo advogados, o pai não está morando em Manguinhos porque é “jurado de morte” pela criminalidade local. A mulher nega.
Fonte: Migalhas
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3 Comentários
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"Ele não leva em conta que o laudo psicossocial, feito por uma assistente social e um psicólogo, diz que ela tem condição plena de tomar conta da criança."
Qual a relevância disso? Não existe mais a primazia da mulher na determinação da guarda, logo, não existe a necessidade de comprovar que a mulher é incapaz de cuidar do filho para que haja inversão, mudança, alteração, etc, da guarda. Importa saber quem é o mais capacitado para cuidar.
O Rolf Madaleno sustenta que a segurança encontrada em um Município do interior do Estado, quando comparado com as grandes capitais, é argumento aceitável para a mudança definitiva do menor para outro município. Claro, Madaleno está imaginado a mudança do menor na companhia da mãe. Ora, em razão da igualdade entre homem e mulher e também em razão da igualdade parental, usemos o argumento para beneficiar o pai desta vez.
“‘Vou te furar com a faca'”, citou.
Em 2016 o STJ determinou guarda compartilhada de duas crianças cujos pais tinham embates físicos. O pais inclusive admitia que havia dado um tapa ou coisa parecida na mãe das crianças e a mãe havia batido na nova companheira do pai. Ameaçar o companheiro (ou ex) redunda em perda do poder familiar? As mulheres que ameaçam ou que batem em seus ex-companheiros perderão a guarda dos filhos? continuar lendo
Perfeita análise. Eu decidiria da mesma forma. Não é "preconceito", é questão de CONCEITO. Se o pai tem a mesma condição da mãe para criar o filho e homens e mulheres são iguais perante a lei, e o filho tem o mesmo direito de convivência com o pai quanto com a mãe, e o ECA garante que a Justiça atuará no MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA, porque privá-la do convívio do pai, e deixá-la "ad eternum" com a mãe, em detrimento de lhe conceder suas melhores chances na vida? O juiz por acado proibiu a mãe de visitação? Não vi nada do tipo. Todos sabemos que zonas de risco não significam que TODOS os moradores são bandidos. Mas é certo que é uma zona de maior criminalidade. Por que deixar a criança nesse ambiente? Eu se fosse uma mãe sem recursos para mudar de bairro pelo bem do meu filho e sabendo que o pai vive em melhores condições que eu, não só "deixaria" a criança ir, como exigiria que o pai tomasse a dianteira na criação desse filho, que eu não fiz sozinha. Ora essa! É cada uma. E sempre, SEMPRE, os tais "direitos humanos" ficando do lado mais desumano da história. Impressionante. continuar lendo
Vejamos que o "pai" só entrou no embate por pura picuinha pessoal, se tem melhor condições por qual motivo está há 4 anos sem ver o filho? Quanto amor e interesse ele tem não é mesmo? Resta clara a intenção de tão somente retirar a guarda da mãe, pois se faz tanta questão de conviver com o filho, pq nunca o visitou? Decisão recheada de preconceito. continuar lendo